Férias - Mais uma de Veríssimo
- Praia! - Gritou a filha.
- Serra! - Gritou o filho.
- Quintal - Sugeriu o pai, pensando na crise.
A mulher tinha um sonho: fazer um cruzeiro num transatlântico de luxo. Só uma vez na vida. Noites de luar no Caribe. Drinques coloridos à beira da piscina. Lugares exóticos com nomes românticos.
- Galápagos...
- Barbados...
- Falidos...
- Fal... Como, Falidos?
- É o que nós ficaríamos depois de uma viagem destas. Você sabe quanto custa?
- Você só pensa em dinheiro.
- Dinheiro, não. Cruzeiros.
- Praia, pai!
- Serra!
- Praia!
Chegaram a um acordo. Praia e serra. Uma semana de cada uma. O cruzeiro no Caribe aguardaria a improvável circunstância do papai morrer e a mamãe casar com o Chiquinho Scarpa. Tinham ouvido falar de um hotel novo numa praia ainda não desenvolvida. Preços promocionais. E a distância, segundo o pai, que calculou as probabilidades de irem e voltarem de carro sem os combustíveis aumentarem no meio do caminho era razoável. Para a praia, portanto. Uma semana!
- Esta tudo no carro?
- Esta, Vilson, entra.
- Pomada contra queimadura?
- Está.
- Repelente contra inseto?
- Está.
- Quinino? Tabletes de sal? Ataduras? Rádio, para mantermos contato com a civilização?
- Vamos lá, pai!
- Antibióticos? Lança-chamas, contra um possível ataque de formigas gigantes?
- Esta tudo no carro, Vilson. Deixa de bobagem e entra
- Arranca. Não está tudo no carro.
Faltava a Agatha Christie. O pai voltou correndo para buscar a Agatha Christie. Cinco livros. Pelos seus cálculos, eles o manteriam longe do sol, da areia e da água fria por toda a semana.
- Você vai para a praia nua?
- Eu não estou nua, pai. Estou de biquíni.
- Vou ter que aceitar sua palavra...
- Vou ter que aceitar sua palavra...
Diálogo de outra crônica de Veríssimo |
- Garçom, sal.
- Ahn?
- Sal. Aquela coisa branca que parece açúcar.
– Ah.
– Ah.
- Não é possível. Ele sabe o que é sal.
- Calma, Vilson. O hotel é novo. Ouvi dizer que eles estão aproveitando gente do local.
- Mas o sal já deve ter chegado aqui. Já ter antena parabólica, e sal refinado e bem mais antigo.
- Ele não ouviu o que você disse Vilson. Olha, aí vem ele.
- Ah! Aí está. Obrigado.
- Obrigado, moço
- Eu sabia...
- O quê?
- Ele trouxe açúcar.
- Sabe que você, desse jeito, está muito, mas muito apetitosa?
- Ai!
- Que foi?
- Não me toca aí.
- Por quê?
- Queimadura. É por isso que eu vou dormir sem roupa.
- Eu não falei? Você devia fazer como eu. Eu nunca me queimo.
- Claro que não se queima. Passa o dia inteiro dentro do hotel lendo a Agatha Christie
- Quando o tal general me deixa. O velho chato. Só fala em doença. Sabe que eu já sei mais sobre a vesícula dele do que sobre a minha? E isso que eu convivo com a minha há anos. Vem cá, vem.
- Ai! Ai também não pode tocar. Aqui. Aqui pode.
- Aí não me interessa.
- Meu filho, eu quero que você pense numa coisa. Você sabe o que pode acontecer se você continuar indo tão longe no mar? Sabe?
- Sei, pai. Posso morrer afogado.
- Não é só isso, meu filho. Se você morrer afogado nós vamos ter que interromper o veraneio. E o hotel está pago até o fim da semana!
- Eu pedi peixe.
- O senhor pediu peixe.
- Exato. E isto não é peixe.
- É, sim senhor.
- Não, meu amigo. Isto é carne.
- É peixe.
- É carne.
- Pai...
- O quê?
- Pode ser peixe-boi.
- Vilson! Você levantou a mão pro menino!
- Desculpe. É que eu dormi mal esta noite. Os mosquitos. E sonhei com a vesícula do general.
-Desculpe meu filho.
- O senhor quer trocar de prato?
- Não, não. Isto está ótimo. Bife com molho de camarão. A gente deve experimentar tudo na vida. Traga o sal, por favor.
- Ahn?
- Esquece.
- Veja que coisa fascinante é o ciclo da vida. Os mosquitos nos comem, as lagartixas comem os mosquitos, e tenho certeza que cedo ou tarde servirão essa lagartixa no restaurante do hotel. Sem sal. o ciclo se completa. A vida segue o seu curso. É bonito isso. Chega pra cá...
- Não. Eu ainda estou queimada.
- Então você, Agatha. Venha você. Assim. Oh, sim. Deixa eu abrir as suas páginas, deixa eu acariciar, lentamente, a sua lombada. Mmmm...
- Vilson...
- O quê?
- É você fazendo cócegas no meu pé?
- Eu não sonharia em tocar em você, querida.
- AKH! É a lagartixa!
- Sabe, general, eu sempre achei que, se houver Inferno, ele é um hotel de praia num dia de chuva.
- Como?
- O inferno. Deve ser um hotel de praia em dia de chuva.
- Isso é porque você não sofre da vesícula.
- Eu ainda mato o general. Herodes foi um grande injustiçado da história. Devia-se fazer uma campanha para reabilitá-lo. Limpar o seu nome.
- Vilson, tenha paciência. Com essa chuva as crianças têm que ficar dentro do hotel. Onde é que você vai?
- Me lembrei que estou aqui há cinco dias e ainda não fui à praia.
- Mas está chovendo!
- Certo. Se começar a parar eu volto correndo.
- Bingo!
- Papai! Você completou o cartão!
- Grande pai!
- Qualquer jogo que requeira capacidade intelectual é comigo mesmo. Desafio qualquer um neste hotel para um burro-em-pé até a morte.
- Querido...
- Hum?
- Larga a Agatha.
- Você não está mais queimada?
- Estou, mas não me importo.
- Já vi tudo. É porque eu ganhei no bingo. Há algo num vencedor que atrai as mulheres. Certo magnetismo ani...
- Vilson...
- O quê?
- Cala a boca.
- Está tudo no carro?
- Está, Vilson. Entra.
- A prancha? As conchas? Tudo?
- Tudo, Vilson.
- A lagartixa?
- Vamos embora, pai!
- Ah, a serra! Vejam que beleza. Vocês acordarão cedo todas as manhãs e farão grandes caminhadas e depois me contarão como foi se conseguirem me acordar. Encheremos os pulmões de ar puro e ainda levaremos um pouco para casa, dentro de isopores. Este hotel me parece bom.
- Por que você escolheu logo esse?
- Gostei do nome. "Falso Bávaro", pelo menos parece honesto.
- Vamos passear no mato. Vamos passear no mato!
- Pensei que você fosse passar os dias no hotel, lendo.
- Vocês não vão acreditar.
- O quê?
- O general também está aqui! Vamos passear no mato.
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