Cemitério da Consolação - SP

ESCRITO POR: quarta-feira, fevereiro 05, 2020 ,

        Um passeio divertido? Claro que não. Cultural? Com certeza!
Nenhum cemitério se presta à diversão, mas o Cemitério da Consolação guarda uma quantidade tão impressionante de obras da arte tumular e de restos mortais de grandes nomes da literatura, da política e da história do Brasil que tornou-se ponto de interesse turístico no centro histórico de São Paulo.
        Entre os 8.500 túmulos estão enterradas personalidades como os escritores Mário de Andrade, Monteiro Lobato, Oswald de Andrade. Os jornalistas Líbero Badaró, Júlio de Mesquita e Cásper Líbero. A pintora Tarsila do Amaral. Os presidentes Campos Salles e Washington Luís. São historiadores, atores, figuras ilustres de nossa história, o famoso arquiteto que projetou a capela e o portão do cemitério, Ramos de Azevedo, e até uma das filhas de D. Pedro I, Maria Isabel de Alcântara Bourbon, cuja confirmação de sepultamento no Cemitério da Consolação aconteceu apenas em 2015 (rua 1, n.5).
Capela projetada por Ramos de Azevedo
         O Cemitério da Consolação é o mais antigo da cidade de São Paulo. Foi inaugurado em 1858 para substituir o hábito de enterrar os corpos dentro das igrejas, que causava vários transtornos por conta do crescimento populacional: falta de espaço, questões de saúde pública e até o mau cheiro que impregnava os templos religiosos. Nos 76.349 m2 destinados ao cemitério enterravam-se de início ricos e pobres, mas com o tempo, e a construção de outros cemitérios públicos, o espaço foi ficando cada vez mais elitizado, local do repouso eterno de famílias tradicionais paulistanas, como os Matarazzo que ocupam o maior mausoléu da América do Sul, com o tamanho aproximado de um prédio de três andares.
        A suntuosidade dos monumentos fúnebres tinha como objetivo da família demonstrar a importância que a pessoa teve em vida, por isso, as enormes esculturas eram encomendadas a famosos artistas da época e esculpidas em materiais como o mármore e o bronze.
O sepultamento - Victor Brecheret
        Hoje, o que permite classificar o cemitério como um museu a céu aberto são mais de 300 obras de arte de artistas plásticos ilustres como Victor Brecheret, ou totalmente desconhecidos cujas obras apresentam a mesma beleza daquelas 'assinadas'. O grande problema é que os materiais nobres com que foram produzidas chamam muito a atenção de ladrões o que, unido à falta de vigilância, resulta em saques e depredações que aos poucos vão destruindo o acervo de arte tumular ali presente. Além disso, a quantidade de sepulturas abandonadas é muito grande, seja por desinteresse da família em preservá-las ou mesmo pela ausência desta, já que passaram-se quase dois séculos desde os primeiros sepultamentos ali realizados.
      Comparando-se duas fotos do sepulcro de Monteiro Lobato é possível observar os efeitos dos roubos no cemitério. Do ornamento de flores de bronze em forma de coroa na lápide do escritor resta apenas o sinal de onde foi arrancada.
Túmulo de Monteiro Lobato
      Atualmente os enterros no Cemitério da Consolação são raros. Embora os túmulos abandonados possam ser revendidos, o metro quadrado é caríssimo, custando cerca de R$5 mil. Um terreno de 1,60m x 2,30m, com concessão por tempo indeterminado, custa em torno de R$18 mil para que o repouso eterno aconteça sob as árvores centenárias do cemitério totalmente arborizado. Alguns dos últimos 'famosos' a serem enterrados por lá foram Armando Bógus (1993), a ex-primeira-dama do Brasil Ruth Cardoso (2008), o compositor Paulo Vanzolini  (2013) e os atores Rubens de Falco (2008) e Paulo Goulart (2014). O túmulo do ator Armando Bógus é mais um dentre os vários  abandonados e sem manutenção.
        Contudo, além de última morada de famosos e anônimos, o espaço também é palco de diferentes atividades ocasionais: visita guiada, sarau tour, visitas noturnas, Cinetério (sessão de filmes de terror), espetáculos musicais e locação para cenas de filmes (Ex: Sinfonia da Necrópole), clips musicais (Ex: Lying in State), e cenas de novela como em Ti-ti-ti, de 2010:
Cena da novela Ti-ti-ti, em 2010
         Entre os túmulos mais visitados estão os dos modernistas Mário de Andrade (escritor), Tarsila do Amaral (pintora) e Oswald de Andrade (escritor) que, diferente da grande maioria das pessoas tinham uma relação tranquila com os cemitérios e a morte. Tarsila  morreu aos 86 anos e foi enterrada com um vestido branco que ela mesma escolheu para ser velada. A cerimônia de casamento de Oswald e Pagu, aconteceu exatamente no Cemitério da Consolação, em 1930, diante do jazido da família do noivo, onde hoje ele se encontra enterrado. Já Mário de Andrade fez um poema enfatizando o desejo de ser sepultado em São Paulo:

Quando eu morrer quero ficar,
Não contem aos meus inimigos,
Sepultado em minha cidade,
Saudade.
(...)
No Pátio do Colégio afundem
O meu coração paulistano:
Um coração vivo e um defunto
Bem juntos.
(...)
As mãos atirem por aí,
Que desvivam como viveram,
As tripas atirem pro Diabo,
Que o espírito será de Deus.
Adeus.
Mário de Andrade, Tarsila do Amaral e Oswald de Andrade
         A sepultura de Domitila de Castro Canto e Melo,  Marquesa de Santos e mais célebre das amantes de D. Pedro I, tem uma história interessante. Ela faleceu em 1867 e foi enterrada no Cemitério da Consolação que ajudou a concluir doando dois contos de réis, que na época era uma pequena fortuna. Com o passar do tempo seu túmulo foi se deteriorando e encontrava-se em estado lastimável quando o sanfoneiro Mário Zan mandou reformar a lápide mantendo sua estrutura original e pagou para que semanalmente o túmulo recebesse flores e manutenção. Antes de morrer, em 2006, Mário Zan conseguiu comprar um túmulo bem em frente ao de Domitila e a família do sanfoneiro mantém os cuidados das duas lápides.
Domitila de Castro
      Domitila ganhou alguns devotos, diz a lenda que principalmente prostitutas que pediam a graça por um bom casamento. No entanto, nada se compara aos pedidos e placas de agradecimento que recebe o túmulo de Maria Judith de Barros, considerada uma santa milagreira e protetora dos vestibulandos. Ela morreu vítima das agressões do marido e, depois que a primeira placa surgiu em agradecimento a uma bênção alcançada, a fama de milagreira se espalhou. Os candidatos às mais disputadas faculdades do país, principalmente nos cursos de Medicina e Odontologia, agradecem a graça recebida com placas de metal que cobrem a sepultura, acendendo velas ou levando vasos de flores.
Túmulo de Maria Judith de Barros
          "Gosto de percorrer o Cemitério da Consolação como um dos lugares em que ainda vivem, de maneira fortemente simbólica, muitos personagens da história paulistana, vários dos quais são também personagens de episódios marcantes e decisivos da história brasileira. Vivem porque de vários modos ligaram-se definitivamente àquilo que somos e que é, também, em boa medida, o que já não podemos deixar de ser. O Cemitério da Consolação é um espelho em que os vivos se refletem e se encontram na memória dos mortos. Ali, no silêncio definitivo, podem os mortos ser interrogados e compreendidos no seu legado a este País e a São Paulo, estado e cidade. Um passeio pelo Cemitério da Consolação é um passeio por dentro da nossa alma coletiva, uma visita a nós mesmos, a descoberta e a confirmação das configurações objetivas do que dá sentido ao que fazemos e ao que deixamos de fazer."

José de Souza Martins (historiador)
Túmulo do presidente Campos Salles
       Para conhecer os túmulos das personalidades que ali descansam eternamente, o Cemitério da Consolação oferece uma visita guiada gratuita anunciada no site da prefeitura de São Paulo às terças e sextas-feiras às 14h ou às quartas-feiras às 10h e às 14h para grupos de escolas. Antes de ir, confirme por e-mail se o tour acontecerá na data de seu interesse. Quando estivemos por lá o tour não aconteceu em nenhum dia daquela semana.
        O site da prefeitura também oferece o aplicativo 'Guia Cemitério Consolação' para baixar e seguir as rotas oferecida (políticos do Império, políticos da República, modernistas, escultores importantes, escultores desconhecidos, etc). Muito legal, mas não funciona. Que pena! O melhor mesmo é pegar um mapa na administração ou pela internet e sair pedindo ajuda aos funcionários e coveiros pois, embora o mapa do cemitério indique rua e terreno onde está cada túmulo, esses 'endereços' não seguem uma sequência muito lógica: a rua 9 pode ser paralela à rua 37, por exemplo.
Túmulo de Cícero Pompeu de Toledo
           Os túmulos de pessoas ilustres ou obras de arte de escultores importantes possuem plaquinhas no chão com informações nem sempre legíveis, mas que servem como parâmetro para onde direcionar a atenção entre os mais de 8000 túmulos ali existentes.
        Parece macabro? Que nada! Saiba que os cemitérios são pontos turísticos por todo o mundo. Em Buenos Aires, por exemplo, o Cemitério da Recoleta é parte obrigatória do tour pelo bairro com o mesmo nome para conhecer os túmulos de celebridades como da ex-primeira dama da Argentina Eva Perón. Em Paris, o cemitério Père-Lachaise é o mais visitado da França por guardar os túmulos de Honoré de Balzac, Molière, Allan Kardec, Edith Piaf, Maria Callas e tantos outros. Em Los Angeles (EUA), o cemitério Hollywood Forever é a última morada do Beatles George Harrison, Charles Chaplin Jr (o filho), o ator Rudolph Valentino... e por aí vai...
Desconhecido

Serviço
Endereço: Rua da Consolação, n. 1660 - São Paulo
Horários: diariamente das 7h às 18h
Informações e agendamento: assessoriaimprensa@prefeitura.sp.gov.br  
Mapa dos túmulos de maior interesse, clique aqui.

Observação: O túmulo abaixo fica atrás da sepultura do Presidente Campos Salles e nele estão membros da Família Colombo. Parentes? Não faço ideia, mas foi uma grata surpresa encontrar meu sobrenome por lá.
Túmulo da Família Colombo
logo mala

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