Férias na Liberdade

ESCRITO POR: segunda-feira, abril 15, 2019 , ,

     Como é viver em uma cidade turística e turistar onde mora? Fabrício Corsaletti tirou férias na própria cidade e contou na Folha de São Paulo como foi:
Templo budista no Bairro da Liberdade - SP

        Se moramos em São Paulo, nunca vamos poder passar férias na Liberdade, certo? Segundo a minha namorada, errado. Foi ela quem inventou a viagem e as regras. Na sexta-feira, cada um levaria sua mala pro trabalho e, terminado o expediente, iria direto pro hotel Nikkey, em plena rua Galvão Bueno, de frente pro Bueno Izakaya (que agora mudou pra alameda Santos). Até segunda-feira de manhã, não poderíamos sair do bairro de jeito nenhum. A não ser em caso de emergência —bate na madeira. Os dois filhos dela ficariam com o pai.
        Quando cheguei ela já estava no bar do lobby, tomando uísque e comendo castanhas. Por um instante não a reconheci. A partir daí, tudo o que aconteceu no fim de semana como que foi vivido em outro plano, em outra cidade, em outro país. Num Japão chinês-coreano imaginário, ou numa São Paulo menos dura e mais lírica.
Rua do Estudante, Liberdade - SP
      Nosso quarto era enorme, a um só tempo aconchegante e esquisito. Tinha uma bancada de fórmica de fora a fora com uma sequência de cadeiras alinhadas —ideal pra quem sequestrou uma dúzia de alunos do ensino fundamental e quer obrigá-los a fazer a lição de casa. Na banca da esquina, compramos uma coleção de revistas sobre o Japão medieval, que lemos juntos com grande prazer. Levei meu livro de haicais de Bashô: “partamos em viagem/ contemplemos a lua/ e durmamos ao ar livre!”.
         Samuel, o inesquecível sushiman do Nikkey, que infelizmente não está mais lá, nos deu ótimas dicas de bares e restaurantes. A gente entrava, experimentava um prato, matava uma dose de saquê e partia pro próximo. Nesses lugares, recebíamos novas recomendações —enchi um caderno vermelho com notas sobre comida e bebida e com histórias que as pessoas me contaram. 
Bebidas nos mercadinhos da Liberdade
       Entramos em lojas (canecas, quimonos, hashis decorados), num templo budista (deitados no chão, recebemos uma espécie de passe), na livraria Sol (patas de aranha em cascata nas belas páginas indecifráveis). 
          No café da manhã imitávamos os hóspedes japoneses: gohan, sunomono, peixe grelhado, missoshiru e chá. Na feira da praça encontramos por acaso uns conhecidos cariocas e almoçamos com eles numa das seis opções do predinho da rua da Glória, 111, cuja fachada branca e discreta esconde dois restaurantes por andar.
Feira da Liberdade
         No domingo à noite recebemos um convite pra despedida de uma amiga que ia morar na Austrália. Agradecemos, pedimos desculpas, mandamos beijos, mas dissemos que não podíamos —estávamos presos na Liberdade. A princípio ela não acreditou. Em seguida, ficou brava e então teve a ideia de transferir a festa de uma casa noturna de Pinheiros pra Chopperia Liberdade, o famoso karaokê, Las Vegas nipônica que serve churrasco e temaki, cerveja e shochu, e onde se pode tanto cantar quanto jogar sinuca.
Vista a partir da ponte da Rua Galvão Bueno

    Voltando pra casa de metrô, minha namorada e eu nos prometemos viajar mais vezes dentro de São Paulo. Bom Retiro, Mooca, centro. Desbravar todos os bairros! Mas não cumprimos a promessa. Só fomos mesmo ao bairro oriental. Deve ser por conta do nome. É sempre agradável pensar nisso.
logo mala
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