Zeca Camargo na Disney
Disney traz à tona memórias alegres de viagens com a família na infância
Zeca Camargo
Não é simples ser feliz num lugar onde todo o mundo fica torcendo para você ser feliz. Na Disney, mesmo que você entre nos parques com o pé esquerdo, num dia em que você acordou meio esquisito, tudo é feito para que você esbanje felicidade.
E dá certo. A não ser que você pare para pensar no que está acontecendo...
Não fui de mau humor à Disney — pelo contrário. Passei adoráveis duas semanas trabalhando lá recentemente (como contei na última coluna) numa atmosfera de pura harmonia.
Fui literalmente todos os dias a pelo menos um dos quatro parques: Magic Kingdom, Epcot, Animal Kingdom e Hollywood Studios. Sim, tinha dias em que eu ia a dois.
Diverti-me, como era de se esperar, como uma criança. Mas, bombardeado por aquele “firewall” de alegria, a certa altura comecei a me perguntar se toda aquela felicidade à minha volta não era um pouco exagerada.
Comecei a prestar atenção nas coisas que ouvia direto. “Tenha um ótimo dia”, por exemplo, é de praxe.
Todo o mundo que eu cruzava nos parques, porém, ia bem além nas nossas breves interações, dizendo coisas como: “Não é que você está com uma cara feliz hoje?”, “eu vejo que você está brilhando tanto quanto o sol lá em cima!”, “fizemos um bocado de coisas legais e positivas hoje, não fizemos?”, ou até mesmo —e esta eu tive de anotar para não me esquecer— “alguém com essa luz nos olhos só pode estar no melhor momento da sua vida aqui com a gente!”.
Tudo um pouco estranho. Porém, esse é o clima. A gente aceita.
Mas, quando a caixa de uma loja em Epcot quis saber o que eu tinha achado nas suas prateleiras que poderia ser a causa daquele sorriso no meu rosto, eu finalmente desconfiei.
Será que eu estava mesmo tão feliz assim só de estar na Disney? E, em caso positivo, por que me sentia assim?
Eu precisei entrar numa galeria de arte, ali mesmo em Epcot, para começar a encontrar a resposta.
Destoando das outras lojas, essa vendia gravuras e pinturas, sempre com os temas da Disney, mas que, ao contrário das mercadorias que você encontrava em toda esquina nos parques, custavam pequenas fortunas.
Lá eu vi, numa vitrine, uma pequena peça de metal reproduzindo um submarino com a inscrição “20 mil Léguas Submarinas” e tive aquele estalo!
Lembrei-me da primeira vez em que visitei o parque, de uma atração com esse nome. Você submergia num submarino (hoje até meio tosco) a um nível bem raso, para conferir as “maravilhas do mundo do mar”: peixes e crustáceos mecânicos em baixo da água mexendo com a minha imaginação de criança.
Foi como se um compartimento da minha memória tivesse sido escancarado.
Voltei para meados dos anos 1970 e me lembrei do meu pai apertando minha cintura numa montanha-russa como se a própria segurança do brinquedo não fosse suficiente para proteger seu filho das curvas.
Do olhar da minha mãe, emocionada, no Small World —que está lá até hoje (cheguei até a mandar um vídeo para ela no WhatsApp, que, claro, a fez chorar).
E, além da viagem submarina, vi claramente a imagem de meus irmãos, ainda menores que eu, rodopiando comigo nas xícaras do chá do Chapeleiro Maluco de “Alice no País das Maravilhas”...
E foi nessa lembrança espelhada na minha excitação de 2019 que encontrei a felicidade que eu estava sentido.
Cada nova emoção que vivia em um dos brinquedos era, na verdade, um eco de um deslumbramento que eu mesmo havia experimentado décadas atrás. E aí estava a explicação genuína do sorriso impecável no meu rosto!
As pessoas que lá trabalham, genuinamente felizes, contagiadas por tantos outros sorrisos, não eram a causa real da minha alegria.
Seus esforços quase automáticos de gerar felicidade eram uma boa tentativa de despertar aquilo em mim, mas minha satisfação —percebi então— vinha do meu próprio registro do que eu já tinha vivido lá. E de que eu nunca mais me esqueci.
A atração das “20 mil Léguas” já não existe mais. Fechou em meados dos anos 1990, como tantas outras substituídas por brinquedos ainda mais modernos e marcantes.
Mas, para esse cinquentão que voltava a abraçar toda aquela magia da Disney depois de um hiato de décadas, ela acabou sendo uma peça fundamental de um quebra-cabeças infinito chamado felicidade.
Leia também:
- O inferno da Disney - Fernanda Torres
Poderá gostar também de:
0 comentários
E você? O que pensa sobre isso?
Os comentários anônimos estão sujeitos à moderação.