O termo 'turista' é rejeitado pelos 'viajantes'
Turista ou viajante? Há 9 anos essa dúvida me levou a nomear o blog como "De turista a viajante", não porque eu prefira um ou outro termo, mas porque acredito que quanto mais nos desprendemos dos agentes e guias de turismo, menos 'turistas' nos tornamos. Nada contra nenhum desses serviços. Muito a favor da economia gerada quando se busca ser cada vez mais 'viajante'.
Em 2011, quando o blog ainda era bem novinho, recebi um recado do fotógrafo Heitor Pergher dizendo que havia se inspirado no título do blog para escrever um texto que mais tarde foi publicado em seu livro "Crônicas de um viajante". Publiquei a crônica aqui no blog também, leia.
Confesso que ao escolher o título do blog não me aprofundei em reflexões sobre o tema 'turista ou viajante', porém, assim como aconteceu com o texto de Heitor Pergher, sempre que encontrei pontos de vista interessantes sobre o assunto publiquei aqui, sem segundas intenções de defender uma ou outra definição. Em 2013, por exemplo, publiquei o texto de Jess Lee, "Em defesa da 'rota turística'" e iniciei 2019 com a divulgação do livro de Seth Kugel, 'Rediscovering Travel: a guide for the globally curious' que destaca o 'turismo de experiências'.
Agora, um outro texto me chama a atenção: Novas gerações rejeitam o termo 'turista' e se dizem 'viajantes', de Carolina Muniz, publicado na Folha de São Paulo. Embora a discussão não seja 'nova', como a própria autora ressalta, a leitura é sem dúvida muito interessante. Separei alguns trechos que seguem:
"Nada de contratar guia ou fazer selfie na torre Eiffel. Coisa de turista, nem pensar. Essa vontade de fazer diferente da maioria não tem nada de novo —ou de original.
Mas a aversão ao rótulo de turista, usado às vezes como se fosse sinônimo de viajante desinformado, predador e de comportamento bovino, foi amplificada com a mudança na forma de viajar das novas gerações, dizem especialistas.
“O termo ‘turista’, infelizmente, tem sido utilizado nos últimos anos de uma forma pejorativa. Isso é tão forte mundialmente que muitas empresas do setor preferem não usá-lo mais”, diz Mariana Aldrigui, professora do curso de turismo da USP (Universidade de São Paulo).
A palavra da vez no ramo é “experiência”. Por meio dela, tenta-se transmitir a ideia de viagem que explora o destino de forma profunda, pela perspectiva de quem mora nele. Em vez de assistir da janelinha de um ônibus a como as pessoas vivem em determinada cidade, os turistas agora querem viver como elas, diz Trícia Neves, sócia-diretora da consultoria Mapie, especializada em turismo.
Esse desejo é capitaneado pelas chamadas gerações Y e Z —dos nascidos entre 1979 e 1993 e entre 1994 e 2010, respectivamente. Esses jovens, sobretudo os mais novos, buscam de forma incessante experiências que consideram autênticas, segundo Stefano Arpassy, da consultoria WGSN.
“É um consumidor que exige transparência e quer sentir a verdade das coisas”, completa Trícia Neves. Na visão desse público, tudo aquilo que é construído com o intuito de atender ao turismo tem seu valor reduzido e adulterado. Se um restaurante está cheio de turistas, é porque não deve ser bom —além de, provavelmente, cobrar mais caro pelo serviço. O que é considerado como genuíno, então, é só o que é feito e frequentado por moradores.
A palavra turista tem sua origem no termo francês “tour”. De acordo com Thais Nicoleti, consultora de língua portuguesa da Folha, o termo tem adquirido a conotação de indivíduo superficial e ingênuo, que vai aos piores lugares pagando os maiores preços. O turista é visto, ainda, como um destruidor em potencial, que anda sempre em grupos, conduzido por um guia. Nicoleti lembra que, de uns tempos para cá, nos textos da imprensa, se tornou comum a expressão “hordas de turistas”, o que ajuda a intensificar essa visão negativa. Muitos dos que viajam querem se distanciar desse rótulo e se consideram “viajantes”.
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Mas não há como escapar: todo o mundo que viaja e dorme em um lugar onde não mora é mesmo um turista, querendo ou não, diz Mariana Aldrigui, da USP. “Essa divisão é uma bobagem que precisa ser combatida”, completa Cynthia Mello, autora do livro “Semiótica do Turismo Aplicada”. Todos os que viajam estão fruindo experiências, e não há como comparar e medir a intensidade do que cada um vivencia, afirma Mello.
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Para Mariana Aldrigui, aqueles que criticam o modelo tradicional de viagem provavelmente já o experimentaram. “Quem condena o visitante que tira selfie em um ponto turístico já fez aquela foto ali em um outro momento. Faz parte da curiosidade querer ver o que é aquilo que todo o mundo registrou”, afirma. Pensar que “todos são turistas, menos eu” talvez seja uma maneira usada pela pessoa para se distinguir e tentar ser o dono exclusivo da experiência de viagem, diz ela. Segundo a professora da USP, as pessoas querem ter a sensação de que são os primeiros a desbravar um lugar e acabam enxergando todos à sua volta como intrusos, que só atrapalham a fruição. Mas, no fim das contas, todos são forasteiros —mesmo aqueles que, de forma legítima, querem se conectar com os moradores, a cultura e o modo de vida local.
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“Não é o turista que estraga o lugar. É o comportamento da sociedade. A gestão pública tem que envolver a comunidade para garantir que o destino turístico continue sendo um local adequado, saudável, onde as pessoas vivam bem,” afirma Trícia Neves.
Já ao turista ou viajante, tenha ele se deslocado de ônibus, avião ou carona, cabe o papel de respeitar o ambiente que visita e seus habitantes, contribuindo assim, um tantinho que seja, para melhorar essa imagem genérica não muito boa do “forasteiro”.
Até porque não existe uma viagem mais autêntica do que outra, como defende a especialista em semiótica Cynthia Mello. Seja qual for a vivência que uma pessoa tenha longe de casa, essa será uma experiência verdadeira para ela, mesmo que seja um passeio de gôndola veneziana em um hotel de Las Vegas."
E você, é turista ou viajante?
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