Emergência - L.F. Veríssimo

ESCRITO POR: quinta-feira, agosto 16, 2012

Emergência
     É fácil identificar o passageiro de primeira viagem. É o que já entra no avião desconfiado. O cumprimento da aeromoça, na porta do avião, já é um desafio para a sua compreensão.
      – Bom-dia...
      – Como assim?
     Ele faz questão de sentar num banco de corredor, perto da porta. Para ser o primeiro a sair no caso de alguma coisa dar errado. Tem dificuldade com o cinto de segurança. Não consegue atá-lo. Confidencia para o passageiro ao seu lado:
     — Não encontro o buraquinho. Não tem buraquinho?
    Acaba esquecendo a fivela e dando um nó no cinto. Comenta, com um falso riso descontraído: "Até aqui, tudo bem." O passageiro ao lado explica que o avião ainda está parado, mas ele não ouve. A aeromoça vem lhe oferecer um jornal, mas ele recusa.
     — Obrigado. Não bebo.
     Quando o avião começa a correr pela pista antes de levantar voo, ele é aquele com os olhos arregalados e a expressão de Santa Mãe do Céu! no rosto. Com o avião no ar, dá uma espiada pela janela e se arrepende. É a última espiada que dará pela janela. Mas o pior está por vir. De repente, ele ouve uma misteriosa voz descarnada. Olha para todos os lados para descobrir de onde sai a voz. "Senhores passageiros, sua atenção, por favor. A seguir, nosso pessoal de bordo fará uma demonstração de rotina do sistema de segurança deste aparelho. Há saídas de emergência na frente, nos dois lados e atrás."
     — Emergência? Que emergência? Quando eu comprei a passagem ninguém falou nada em emergência. Olha, o meu é sem emergência.
     Uma das aeromoças, de pé ao seu lado, tenta acalmá-lo.
     – Isto é apenas rotina, cavalheiro.
     – Odeio a rotina. Aposto que você diz isso para todos. Ai, meu santo.
     "No caso de despressurização da cabina, máscaras de oxigênio cairão automaticamente de seus compartimentos."
      — Que história é essa? Que despressurização? Que cabina?
    "Puxe a máscara em sua direção. Isto acionará o suprimento de oxigênio. Coloque a máscara sobre o rosto e respire normalmente."
     — Respirar normalmente?! A cabina despressurizada, máscaras de oxigênio caindo sobre nossas cabeças — e ele quer que a gente respire normalmente.
      "Em caso de pouso forçado na água..."
       — O quê?!"
      ...os assentos de suas cadeiras são flutuantes e podem ser levados para fora do aparelho e..."
       — Essa não! Bancos flutuantes, não! Tudo, menos bancos flutuantes!
       – Calma, cavalheiro.
       – Eu desisto! Parem este troço que eu vou descer. Onde é a cordinha? Parem!
       – Cavalheiro, por favor. Fique calmo.
Charge sobre medo no avião
        – Eu estou calmo. Calmíssimo. Você é que está nervosa e, não sei por quê, está tentando arrancar as minhas mãos do pescoço deste cavalheiro ao meu lado. Que, aliás, também parece consternado e levemente azul.
        – Calma! Isso. Pronto. Fique tranquilo. Não vai acontecer nada.
        – Só não quero mais ouvir falar em banco flutuante.
        – Certo. Ninguém mais vai falar em banco flutuante.
       Ele se vira para o passageiro ao lado, que tenta desesperadamente recuperar a respiração, e pede desculpas. Perdeu a cabeça.
       — É que banco flutuante é demais. Imagine só. Todo mundo flutuando sentado. Fazendo sala no meio do oceano Atlântico!
        A aeromoça diz que vai lhe trazer um calmante e aí mesmo é que ele dá um pulo:
        — Calmante, por quê? O que é que está acontecendo? Vocês estão me escondendo alguma coisa!
       Finalmente, a muito custo, conseguem acalmá-lo. Ele fica rígido na cadeira. Recusa tudo que lhe é oferecido. Não quer o almoço. Pergunta se pode receber a sua comida em dinheiro. Deixa cair a cabeça para trás e tenta dormir. Mas, a cada sacudida do avião, abre os olhos e fica cuidando a portinha do compartimento sobre sua cabeça, de onde, a qualquer momento, pode pular uma máscara de oxigênio e matá-lo do coração. De repente, outra voz. Desta vez é a do comandante.
       — Senhores passageiros, aqui fala o comandante Araújo. Neste momento, à nossa direita, podemos ver a cidade de...
       Ele pula outra vez da cadeira e grita para a cabina do piloto:
       — Olha para a frente, Araújo! Olha para a frente!

Poderá gostar também de:

Poderá também gostar de:

10 comentários

  1. Menina,
    A melhor parte é quando ele grita para o comandante olhar para frente!!!
    Estou rindo muito aqui!!!!

    Abraços,
    Lelê Garofle.
    musicandocomlele.blogspot.com.br

    ResponderExcluir
  2. Silmara,ri de doer a barriga,meu marido morre de medo de avião.
    Tenta fazer cara de paisagem nos vôos,dar uma de calmo,mas desce branco,e falta pouco dar uma de Papa e beijar o chão...rsrs...
    Besitos

    ResponderExcluir
  3. Muito engraçado este texto, rsrsrs. Em alguns momentos eu me vi ali. Tenho problemas com altura, hehehe.

    Abraços, Fabiana.

    ResponderExcluir
  4. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  5. kkkkkkkkk morri de rir parece comigo tenho medo de alturas bem especificado esse texto gostei

    ResponderExcluir
  6. A maioria de nós tem que admitir que na primeira viagem passou por algum desses perrengues. Algumas pessoas disfarçam melhor que outras...kkk

    ResponderExcluir
  7. Muito bom esse texto. A primeira vez q li foi em um livro didático de português na 4 série!!! É um dos q me fizeram gostar de leitura!!!

    ResponderExcluir
  8. Muito bom esse texto, não é? Por isso essa crônica é parte de uma coleção da Editora Ática que se chama "Para gostar de ler".

    ResponderExcluir

E você? O que pensa sobre isso?
Os comentários anônimos estão sujeitos à moderação.