Um universo chamado aeroporto
Escolhi essa crônica de Martha Medeiros para compartilhar, pois, por mais cansativo que pareça, antes 2 horas no aeroporto que meia hora na rodoviária.
Marquete do aeroporto de Bariloche no Mini Mundo, em Gramado |
Ainda não me decidi sobre o que sinto a respeito de aeroportos. Atualmente me provocam impaciência e cansaço, mas afora os momentos de stress causados por atrasos, eles também exercem sobre mim um certo fascínio. E eu não devo ser a única, caso contrário o escritor Alain de Botton não teria aceito a proposta que lhe fizeram de passar uma semana morando em Heathrow, principal aeroporto de Londres, para escrever um livro sobre o assunto.
O livro traz muitas fotos e alguns comentários sobre esse microcosmo que serve de cenário para despedidas, reencontros, esperas, angústias e êxtases. Não é leitura obrigatória, longe disso. Há uma certa encheção de linguiça, como todo livro encomendado, mas ele desperta em nós um olhar mais atento sobre o que se passa nos terminais aéreos.
Todo mundo tem uma história de aeroporto pra contar. Eu tenho algumas que até já transformei em crônicas, como da vez em que um cidadão quase sentou em cima do meu colo na sala de embarque, me revelando um poder que eu desconhecia que tinha, o da invisibilidade. Ou da minha surpresa ao ver que alguns executivos costumam ter dificuldade de se separar de seus travesseiros, levando-os embaixo do braço quando partem para suas reuniões em São Paulo. Já vi um adolescente tentar abrir a porta da aeronave em plano voo - eu sei que não há como ter sucesso na empreitada, mas não queira assistir a cena. Já passei pela desolação de ver todas as bagagens serem retiradas da esteira e a minha não chegar, me obrigando a ir para um hotel em Barcelona só com a roupa do corpo. E nunca esqueci de quando eu estava aguardando a chamada de um voo justamente em Heathrow, quando um cavalheiro vagamente familiar sentou ao meu lado. Harrison Ford, apenas. Por que não foi ele que tentou sentar no meu colo é algo que a Justiça divina ainda tem que me explicar.
Bom, esses casos estariam no meu livro sobre aeroportos, caso eu tivesse escrito um. No de Alain de Botton, o que mais curti foi a parte em que ele fala sobre como nos sentimos ao ser revistados. Abrir a bagagem, descalçar os sapatos, tirar o cinto, passar pelo detector de metais, tudo isso gera em nós uma inexplicável sensação de culpa, por mais inocentes que sejamos. Comigo, ao menos, se confirma. Se a averiguação é lenta, começo a suar frio e fico aguardando o momento em que encontrarão armas ou drogas nos meus pertences, e quando o meu passaporte é aberto na folha onde está minha foto, adoto minha melhor cara de terrorista e torço para que o policial não perceba que o documento é falso. Porém, desprezando toda minha ansiedade, ele carimba e me deixa passar, sem reparar que aquela foto não parece comigo.
No fundo, o fascínio talvez seja este: quando viajamos, nunca parecemos muito conosco. Aeroportos nada mais são que embaixadas do nosso estrangeirismo latente.
7 de novembro de 2010
coletânea Felicidade Crônica
p. 245 e 246
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